segunda-feira, 4 de julho de 2011

Não se Pode Servir a Deus e a Mamon

Salvação dos Ricos

1. Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará a outro, ou se prenderá a um e desprezará o outro. Não podeis servir simultaneamente a Deus e a Mamon. (S. LUCAS, cap. XVI, v. 13.)

2. Então, aproximou-se dele um mancebo e disse: Bom mestre, que bem devo fazer para adquirir a vida eterna?

- Respondeu Jesus: Por que me chamas bom?

Bom, só Deus o é. Se quiseres entrar na vida, guarda os mandamentos.

- Que mandamentos? Retrucou o mancebo.

Disse Jesus:

Não matarás;
Não cometerás adultério;
Não furtarás;
Não darás testemunho falso.

- Honra o teu pai e a tua mãe e ama a teu próximo como a ti mesmo.


O moço lhe replicou:

Tenho guardado todos esses mandamentos desde que cheguei à mocidade.

Que é o que ainda me falta?

-Disse Jesus:

Se quiseres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu.

Depois, vem e segue-me.


Ouvindo essas palavras, o moço se foi todo tristonho, porque possuía grandes haveres.

- Jesus disse então a seus discípulos:

Digo-vos em verdade que bem difícil é que um rico entre no reino dos céus.

- Ainda uma vez vos digo: É mais fácil que um camelo passe pelo buraco de uma agulha, do que entrar um rico no reino dos céus
(1). (S. MATEUS, cap. XIX, vv. 16 a 24. - S. LUCAS, cap. XVIII, vv. 18 a 25. - S. MARCOS, cap. X, vv. 17 a 25.)

(1) Esta arrojada figura pode parecer um pouco forçada, pois que não se percebe que relação possa existir entre um camelo e uma agulha.

Acontece, no entanto, que, em hebreu, a mesma palavra serve para designar um camelo e um cabo.

Na tradução, deram-lhe o primeiro desses significados; mas é provável que Jesus a tenha empregado com a outra significação.

É, pelo menos, mais natural.

Preservar-se da Avareza.

3. Então, no meio da turba, um homem lhe disse:

Mestre, dize a meu irmão que divida comigo a herança que nos tocou.

- Jesus lhe disse:

Ó homem! Quem me designou para vos julgar, ou para fazer as vossas partilhas?

- E acrescentou: Tende o cuidado de preservar-vos de toda a avareza, seja qual for à abundância em que o homem se encontre, sua vida não depende dos bens que ele possua.

Disse-lhes a seguir esta parábola: Havia um rico homem cujas terras tinham produzido extraordinariamente - e que se entretinha a pensar consigo mesmo, assim:

Que hei de fazer, pois já não tenho lugar onde possa encerrar tudo o que vou colher?

-Aqui está, disse, o que farei: Demolirei os meus celeiros e construirei outros maiores, onde porei toda a minha colheita e todos os meus bens.

- E direi a minha alma: Minha alma tem de reserva muitos bens para longos anos; repousa, come, bebe, goza. Mas, Deus, ao mesmo tempo, disse ao homem:

Que insensato és! Esta noite mesmo tomar-te-ão a alma; para que servirá o que acumulaste?

É o que acontece àqueles que acumulam tesouros para si próprios e que não é rico diante de Deus. (S. LUCAS, cap. XII, vv. 13 a 21.)

Jesus em Casa de Zaqueu

4. Tendo Jesus entrado em Jericó, passava pela cidade - e havia ali um homem chamado Zaqueu, chefe dos publicanos e muito rico, - o qual, desejoso de ver a Jesus, para conhecê-lo, não o conseguia devido à multidão, por ser ele de estatura muito baixa.

- Por isso, correu á frente da turba e subiu a um sicômoro, para o ver, porquanto ele tinha de passar por ali.

- Chegando a esse lugar, Jesus dirigiu para o alto o olhar e, vendo-o, disse-lhe: Zaqueu dá-te pressa em descer, porquanto preciso que me hospedes hoje em tua casa.

- Zaqueu desceu imediatamente e o recebeu jubiloso.

Vendo isso, todos murmuravam, a dizer: Ele foi hospedar-se em casa de um homem de má vida. (Veja-se: "Introdução", artigo - Publicanos.)

Entretanto, Zaqueu, pondo-se diante do Senhor, lhe disse: Senhor dou a metade dos meus bens aos pobres e, se causei dano a alguém, seja no que for, indenizo-o com quatro tantos.

Ao que Jesus lhe disse:

Esta casa recebeu hoje a salvação, porque também este é filho de Abraão; visto que o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava perdido. (S. LUCAS, cap. XIX, vv. 1 a 10.)

Parábola do Mau Rico

5. Havia um homem rico, que vestia púrpura e linho e se tratava magnificamente todos os dias.

- Havia também um pobre, chamado Lázaro, deitado à sua porta, todo coberto de úlceras, que muito estimaria poder mitigar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico; mas, ninguém lhas dava e os cães lhe viam lamber as chagas.

- Ora, aconteceu que esse pobre morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. O rico também morreu e teve por sepulcro o inferno.

- Quando se achava nos tormentos, levantou os olhos e via de longe Abraão e Lázaro em seu seio - e, exclamando, disse estas palavras:

Pai Abraão, tem piedade de mim e manda-me Lázaro, a fim de que molhe a ponta do dedo na água para me refrescar a língua, pois sofro horrível tormento nestas chamas.

Mas Abraão lhe respondeu: Meu filho lembra-te de que recebeste em vida teus bens e de que Lázaro só teve males; por isso, ele agora esta na consolação e tu nos tormentos.

Ao demais, existe para sempre um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que queiram passar daqui para aí não o podem, como também ninguém pode passar do lugar onde estás para aqui.

Disse o rico: Eu então te suplico, pai Abraão, que o mandes à casa de meu pai, onde tenho cinco irmãos, a dar-lhes testemunho destas coisas, a fim de que não venham também eles para este lugar de tormento.

- Abraão lhe retrucou: Eles têm Moisés e os profetas; que os escutem.

- Não, meu pai Abraão, disse o rico: se algum dos mortos for ter com eles, farão penitência.

- Respondeu-lhe Abraão: Se eles não ouvem a Moisés, nem aos profetas, também não acreditarão, ainda mesmo que algum dos mortos ressuscite. (S. LUCAS, cap. XVI, vv. 19 a 31.)

Parábola dos Talentos

6. O Senhor age como um homem que, tendo de fazer longa viagem fora do seu país, chamou seus servidores e lhes entregou seus bens.

- Depois de dar cinco talentos a um, dois a outro e um a outro, a cada um segundo a sua capacidade, partiu imediatamente.

- Então, o que recebeu cinco talentos foi-se, negociou com aquele dinheiro e ganhou cinco outros.

- O que recebera dois ganhou, do mesmo modo, outros tantos. Mas o que recebera um cavou um buraco na terra e aí escondeu o dinheiro de seu amo.

- Passado longo tempo, o amo daqueles servidores voltou e os chamou a contas. - Veio o que recebera cinco talentos e lhe apresentou outros cinco, dizendo:

Senhor entregou-me cinco talentos; aqui estão, além desses, mais cinco que ganhei.

-Respondeu- lhe o amo: Servidor bom e fiel; pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras; compartilha da alegria do teu senhor.

- O que recebera dois talentos apresentou-se a seu turno e lhe disse:

Senhor entregou-me dois talentos; aqui estão, além desses, dois outros que ganhei.

- O amo lhe respondeu: Bom e fiel servidor; pois que foste fiel em pouca coisa, confiar-te-ei muitas outras; compartilha da alegria do teu senhor.

- Veio em seguida o que recebeu apenas um talento e disse:

Senhor, sei que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e colhes de onde nada puseste; - por isso, como te temia, escondi o teu talento na terra; aqui o tens: restituo o que te pertence.

- O homem, porém, lhe respondeu: Servidor mau e preguiçoso; se sabias que ceifo onde não semeei e que colho onde nada pus, devias pôr o meu dinheiro nas mãos dos banqueiros, a fim de que, regressando, eu retirasse com juros o que me pertence.

-Tirem-lhe, pois, o talento que está com ele e dêem-no ao que tem dez talentos; porquanto, dar-se-á a todos os que já têm e esses ficarão cumulados de bens; quanto àquele que nada tem tirar-se-lhe-á mesmo o que pareça ter; e seja esse servidor inútil lançado nas trevas exteriores, onde haverá prantos e ranger de dentes. (S. MATEUS, cap. XXV, vv. 14 a 30.)

Utilidade providencial da riqueza. 
Provas da riqueza e da miséria.

7. Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, idéia que repugna à razão.

Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria.

É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual.

E o laço mais forte que prende o homem a Terra e lhe desvia do céu os pensamentos.

Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão.

Mas, do fato de a riqueza tornar difícil a jornada, não se segue que a torne impossível e não possa vir a ser um meio de salvação para o que dela sabe servir-se, como certos venenos podem restituir a saúde, se empregados a propósito e com discernimento.

Quando Jesus disse ao moço que o inquiria sobre os meios de ganhar a vida eterna:

"Desfaz de todos os teus bens e segue-me", não pretendeu, decerto, estabelecer como princípio absoluto que cada um deva despojar-se do que possui e que a salvação só a esse preço se obtém; mas, apenas mostrar que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação.

Aquele moço, com efeito, se julgava quite porque observara certos mandamentos e, no entanto, recusava-se à idéia de abandonar os bens de que era dono.

Seu desejo de obter a vida eterna não ia até ao extremo de adquiri-la com sacrifício.

O que Jesus lhe propunha era uma prova decisiva, destinada a pôr a nu o fundo do seu pensamento.

Ele podia, sem dúvida, ser um homem perfeitamente honesto na opinião do mundo, não causar dano a ninguém, não maldizer do próximo, não ser vão, nem orgulhoso, honrar o seu pai e a sua mãe.

Mas, não tinha a verdadeira caridade; sua virtude não chegava até a abnegação. Isso o que Jesus quis demonstrar. Fazia uma aplicação do princípio:

"Fora da caridade não há salvação".

A conseqüência dessas palavras, em sua acepção rigorosa, seria a abolição da riqueza por prejudicial à felicidade futura e como causa de uma imensidade de males na Terra; seria ao demais, a condenação do trabalho que a pode granjear; conseqüência absurda, que reconduziria o homem à vida selvagem e que, por isso mesmo, estaria em contradição com a lei do progresso, que é lei de Deus.

Se a riqueza é causa de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem, que dela abusa, como de todos os dons de Deus.

Pelo abuso, ele torna pernicioso o que lhe poderia ser de maior utilidade.

E a conseqüência do estado de inferioridade do mundo terrestre.

Se a riqueza somente males houvesse de produzir, Deus não a teria posto na Terra. Compete ao homem fazê-la produzir o bem.

Se não é um elemento direto de progresso moral, é, sem contestação, poderoso elemento de progresso intelectual.

Com efeito, o homem tem por missão trabalhar pela melhoria material do planeta.

Cabe-lhe desobstruí-lo, saneá-lo, dispô-lo para receber um dia toda a população que a sua extensão comporta.

Para alimentar essa população que cresce incessantemente, preciso se faz aumentar a produção.

Se a produção de um país é insuficiente, será necessário buscá-la fora.

Por isso mesmo, as relações entre os povos constituem uma necessidade.

A fim de mais as facilitar, cumpre sejam destruídos os obstáculos materiais que os separam e tornadas mais rápidas as comunicações.

Para trabalhos que são obra dos séculos, teve o homem de extrair os materiais até das entranhas da terra; procurou na Ciência os meios de executá-los com maior segurança e rapidez.

Mas, para os levar a efeito, precisa de recursos: a necessidade fez criar a riqueza, como o fez descobrir a Ciência.

A atividade que esses mesmos trabalhos impõem lhe amplia e desenvolve a inteligência, e essa inteligência que ele concentra primeiro, na satisfação das necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais.

Sendo a riqueza o meio primordial de execução, sem ela não maiores trabalhos, nem atividade, nem estimulante, nem pesquisas.

Com razão, pois, é a riqueza considerada elemento de progresso.

Desigualdade das Riquezas

8. A desigualdade das riquezas é um dos problemas que inutilmente se procurará resolver, desde que se considere apenas a vida atual.

A primeira questão que se apresenta é esta: Por que não são igualmente ricos todos os homens?

Não o são por uma razão muito simples: por não serem igualmente inteligentes ativos e laboriosos para adquirir, nem sóbrios e previdentes para conservar.

E, alias ponto matematicamente demonstrado que a riqueza, repartida com igualdade, a cada um daria uma parcela mínima e insuficiente; que, supondo efetuada essa repartição, o equilíbrio em pouco tempo estaria desfeito, pela diversidade dos caracteres e das aptidões; que, supondo-a possível e durável, tendo cada um somente com que viver, o resultado seria o aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e para o bem-estar da Humanidade; que, admitido desse ela a cada um o necessário, já não haveria o aguilhão que impele os homens às grandes descobertas e aos empreendimentos úteis.

Se Deus a concentra em certos pontos, é para que daí se expanda em quantidade suficiente, de acordo com as necessidades.

Admitido isso, pergunta-se por que Deus a concede a pessoas incapazes de fazê-la frutificar para o bem de todos.

Ainda aí está uma prova da sabedoria e da bondade de Deus.

Dando-lhe o livre-arbítrio, quis ele que o homem chegasse, por experiência própria, a distinguir o bem do mal e que a prática do primeiro resultasse de seus esforços e da sua vontade.

Não deve o homem ser conduzido fatalmente ao bem, nem ao mal, sem o que não mais fora senão instrumento passivo e irresponsável como os animais.

A riqueza é um meio de experimentá-lo moralmente.

Mas, como, ao mesmo tempo, é poderoso meio de ação para o progresso, não quer Deus que ela permaneça longo tempo improdutiva, pelo que incessantemente a desloca.

Cada um tem de possuí-la, para se exercitar em utilizá-la e demonstrar que uso sabe fazer dela.

Sendo, no entanto, materialmente impossível que todos a possuam ao mesmo tempo, e acontecendo, além disso, que, se todos a possuíssem, ninguém trabalharia, com o que o melhoramento do planeta ficaria comprometido, cada um a possui por sua vez.

Assim, um que não na tem hoje, já a teve ou terá noutra existência; outro, que agora a tem, talvez não na tenha amanhã.

Há ricos e pobres, porque sendo Deus justo, como é a cada um prescreve trabalhar a seu turno.

A pobreza é, para os que a sofrem, a prova da paciência e da resignação; a riqueza é, para os outros, a prova da caridade e da abnegação.

Deploram-se, com razão, o péssimo uso que alguns fazem das suas riquezas, as ignóbeis paixões que a cobiça provoca, e pergunta-se:

Deus será justo, dando-as a tais criaturas?

E exato que, se o homem só tivesse uma única existência, nada justificaria semelhante repartição dos bens da Terra; se, entretanto, não tivermos em vista apenas a vida atual e, ao contrário, considerarmos o conjunto das existências, veremos que tudo se equilibra com justiça.

Carece, pois, o pobre de motivo assim para acusar a Providência, como para invejar os ricos e estes para se glorificarem do que possuem.

Se abusarem, não será com decretos ou leis suntuárias que se remediará o mal.

As leis podem de momento, mudar o exterior, mas não logram mudar o coração; daí vem serem elas de duração efêmera e quase sempre seguidas de uma reação mais desenfreada.

A origem do mal reside no egoísmo e no orgulho: os abusos de toda espécie cessarão quando os homens se regerem pela lei da caridade.



*